terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Confabulações com o “ga”


Confabulações com o “ga
O mais solitário lugar do mundo é justamente no meio das multidões.
Eleanor Hodgeman Porter

Alguém aí? Estou sentindo tanto medo, o escuro parece que consome minha alma e mata aos poucos meu corpo. Não, não sei mais o que pensar, parece que o mundo cai agora sobre minha cabeça, tenho medo até de minha voz, por favor, alguém aí? Preciso que alguém me ouça e que alguém levante um braço e estenda a mão, preciso de ajuda!
Como eu vim parar aqui? Agora a pouco eu estava sorrindo, alegre no meio de uma multidão de pessoas conhecidas, falávamos a respeito de tantas coisas bonitas, tantas paisagens foram pintadas em meu pensamento, tanta coisa bela eu pude imaginar e agora... agora eu estou preso aqui, nesse lugar que não sei onde é, nem como eu vim parar aqui. Alguém? Por favor, alguém?
Parece que estou sozinho aqui e não sei o que fazer, preciso organizar meus pensamentos, preciso encontrar forças e de algum modo sair daqui, tenho que tentar, meu Deus! Deus? Será que ele existe ou é apenas um mito sagrado da humanidade? Não sei, não sei! Por que tantas perguntas, por que nenhuma resposta vem? Apenas essa torrencial de perguntas.
Acho que ouvi alguma coisa, um barulho estranho, parecem passos, há alguém além de mim por aqui nesse lugar que não sei onde é, vou parar para ouvir, fechar meus olhos um pouco e deixar meu ouvido encontrar o lugar de onde vem e que tipo de barulho é esse. Ah meus Deus, não é ninguém, estou só aqui é apenas o barulho de minhas lágrimas caindo sobre o solo, o silêncio aqui é tamanho que qualquer sussurro vira um grito monstruoso. Não sei mais o que fazer, acho que vou tentar levantar, mas se eu levantar eu vou fazer barulho e se alguém mau estiver por aí? E se existir um assassino a solta por aqui? E se...? E se...?
As lágrimas estão caindo como uma cachoeira, estão transbordando, estão não sei explicar, nunca senti nada assim, o meu medo parece que está criando mais medo e mais medo. Mas esse lugar não me é alheio, acho que conheço esse lugar, já estive aqui antes. Mas como eu vim parar aqui? Não, não...!
Meu grito assustado fez com que eu mesmo acordasse de um imenso torpor, um estado de adormecimento amedrontador, aquele lugar, aquele lugar... Eu ... eu... eu conheço. Estou dentro de mim! Como isso pode ser possível? O que eu fiz para merecer estar dentro de mim? Eu quero sair, por favor, quero sair..., tenho medo do escuro que existe dentro de mim, eu não consigo respirar, eu estou sufocando, perdendo a consciência, estou esmaecendo, descolorindo, chorando. Socorro!
Acho que ninguém vai me ouvir eu preciso levantar daqui, eu preciso enfrentar meu medo. Mas como se enfrenta a si mesmo? Como eu posso lutar contra o meu próprio eu? Eu me conheço como ninguém e tudo que eu fizer eu saberei, não, é impossível eu lutar contra eu mesmo, é impossível!
Deve existir alguma razão para que eu esteja aqui dentro de mim, deve existir algum propósito, mas qual? Uma vez eu escrevi algo sobre isso, estou lembrando, lembrando-me de muitas coisas agora, as lágrimas ainda caem, mas o pavor está se dissipando aos poucos, estou começando a me soerguer aos poucos, e essa frase, essa frase martela minha cabeça, acho que estou ficando louco, eu quero gritar, preciso gritar, ahhhhhhhhhhhhhhhh!
O medo voltou e com força total, estou gritando e nem eu mesmo consigo ouvir minha voz, estou mudo e só consigo ver um grande e denso negrume, nem sombras, tampouco silhuetas. Será que... será que... Eu estou cego? Meu Deus por que me abandonaste, por que fazes isso comigo? O que queres que eu faça? Socorro! Há alguém aí que possa me ouvir? Acho que vou morrer, mas se eu já estiver morto? Como poderei morrer de novo?
Algo rompe o silêncio, algo sussurra em meu ouvido algo fala baixinho dentro de mim, estou sentindo meu coração bater, batendo rápido, agora ele parece dizer que estou vivo e isso me reconforta, isso me deixa aliviado, estou vivo, ESTOU VIVO! Mas, o que está sendo dito? Vou me concentrar na voz. Conhece... Conhece... Conhece a... Conhece a ti... Conhece a ti mesmo... Esse é teu mundo...
Conhecer a mim mesmo? Acho que já me conheço o suficiente, acho que não preciso mais conhecer a mim, pois sei tudo a meu respeito, mas a respeito de meu mundo ainda não sei tudo. Será que eu já sei realmente tudo sobre mim? Mas tenho medo de tentar me conhecer e desaparecer para sempre nessas sombras, há muito medo dentro de mim mesmo, há muito desejo e loucura existindo dentro de mim, mas... mas preciso sair daqui e parece que só saberei sair se eu encontrar a porta e, já que esse é meu mundo, creio que eu seja a porta, pois foi através de mim que eu consegui estar aqui.
Por onde eu começo se eu não sei se eu tive começo? Será que não sou fruto de algo que já existiu? Será que eu não sou continuação de outra vida? E estou habitando esse corpo para crescer mais, para evoluir? Não sei, nada parece fazer sentido!
Estou sendo julgado por mim mesmo e nem sei como eu posso me defender, essas perguntas todas não parecem vir de mim mesmo, eu não me crucificaria tanto assim, não, tenho certeza que eu não me aguilhoaria tanto. Mas... mas... se esse sou eu, e estou fazendo é porque eu sou meu próprio algoz.
Vivo sempre me matando aos poucos, tenho muita vontade de estar perto das pessoas que eu gosto, tenho vontade de sair por aí rindo, até de ir a festas, de dançar e cantar, mas eu mesmo não deixo isso, eu preciso cuidar de mim. E é preciso tanto cuidado a ponto de me privar e de me prender dentro de meu quarto escuro e solitário? Do que é que eu tenho medo lá fora a ponto de eu mesmo me prender e me enjaular? O que é que o mundo lá fora e o futuro representam e são tão amedrontadores assim que eu não possa me dar o luxo de experimentá-lo? Acho que sofro do medo da antecipação, tenho pensado muito antes de dar o primeiro passo e esquecido de que eu preciso às vezes fechar os olhos e dar um passo, preciso fechar os olhos e pular no escuro, mas o medo, maldito seja o medo, ele não me deixa libertar a mim mesmo.
As pessoas, as coisas, o mundo, o vento, o tempo, o futuro... futuro, algozes de minha existência, tenho tanto pavor de tudo que nem sei mais como eu vivo, acho que vegeto e revivo cenas de meu passado, coisas que eu já vivi e tenho certeza do que estou fazendo.
Eu sempre gostei de coisas novas, mas sempre tive medo do novo, nunca deixei de querer ir adiante, por mais que para ir adiante eu tenha que pensar, calcular, pensar de novo a respeito de mim, das consequências e dos resultados, Mas isso tudo não é sofrer por antecipação? Creio que esse sofrer antecipado é a busca de um não sofrer depois. Pensar agora antes de fazer é livrar-se depois do querer fugir, erros em pensamento podem ser esquecidos e os erros cometidos com as pessoas, aqueles cometidos na realidade, eles podem ser esquecidos e apagados? Palavras são muito poderosas e assim também são nossas ações reais, são marcadas por nossas escolhas e pregadas nas lembranças das pessoas. Somos nós nosso próprio indicador de mistério ou desgraça.
Ser transparente até certo ponto é algo progressivamente bom, pois podemos ser ajudados por nossos amigos sem que ao menos tenhamos a necessidade de pedir, mas transparência demais é sinal de fraqueza, pois deixamos claro qual será nosso próximo passo.
Mistério, quem de nós nunca foi chamado de misterioso? Fulano como você está misterioso hoje! Nossa o que está acontecendo, parece ter uma névoa de mistério te envolvendo! Até os mais transparentes são misteriosos, porque não somos um ser totalmente homogêneo, dentro de nós habita uma diversidade singular de “eus”, cada um com uma medida diferente, cada qual com seu próprio jeito de fazer as coisas.
Já te surpreendeste algumas vezes? Não é nada estranho, não é vergonhoso dizer que não te reconheces, tampouco é difícil de ouvir isso das pessoas “não te reconheço mais”, nós mudamos a cada instante e em cada nova situação vem à tona um de teus eus, surpreendente, estranho, comum, amedrontador, digno de piedade e condolência. Somos um universo que habita um corpo, um universo regido por dois grandes polos, a razão capaz de te fazer frear antes de fazer algo e a emoção, capaz de te manipular e te jogar no mundo do agora.
 Já paraste para pensar quem realmente és? Ou tu és daqueles que perguntam para os outros quem és tu? Poucos são os que realmente tentam se entender e descobrem um mundo misterioso e amedrontador, estranho e sombrio dentro de si próprio, alguns até ficam loucos e assombrados com as próprias descobertas. Aqueles que pedem para os outros uma definição, são os seres que mais tem medo da verdade, ouvir o que os outros dizem é mais fácil do que ouvir o que você mesmo se diz. Podemos simplesmente ouvir apenas aquilo que queremos, pois aos outros ouvimos com os ouvidos que ficam no corpo e a nós mesmos, a voz que grita é interior e incalável.
Se conseguir te entender lograrás uma grande soma de vida, mas se tiver medo de te enfrentar, jamais conseguirá dar um outro passo sem a ajuda dos outros. O que preferes: andar com as tuas próprias pernas, sabendo quem és tu de verdade? Ou andar sempre nas sombras dos outros, sempre fazendo aquilo que outros fizeram, copiando apenas, sendo nada mais do que marionete da existência própria, um ser incapaz de criar a própria vida por causa do medo que tem de se autodescobrir?
É mais fácil tentar entender o próximo do que a ti mesmo, pois se o fazes com o teu vizinho é como se fosse uma atividade, um exercício, mas se tentas compreender a ti mesmo, perceberás que essa prática não é apenas um trabalho temporário, é uma atividade que estará contigo a vida inteira, pois enquanto tu viver o fantasma enigmático circundará teus dias, soprando, gritando em teu ouvido “DECIFRA-ME OU DEVORO-TE” e terás que enfrentar teu próprio eu, fazer crescer ou diminuir teu “ga”, ou fugir para sempre da realidade.
Achas difícil realmente a fuga da realidade? Para e pensa um pouco, por que será que muitos se embriagam? Por qual motivo será que muitos ficam loucos? Qual a razão de muitos se trancarem em uma redoma depressiva e hermética? Muitos procuram alguém que lhes compreenda, mas a compreensão do que se sente só pode ser plena se for uma autorreflexão.
Nunca hesite em tentar se entender quando for preciso, ninguém além de você mesmo tem as respostas de que precisa ouvir, na hora certa e na intensidade certa. Somos sempre sábios, quando não somos capazes de falar, tornamo-nos receptáculos.



Valteones Rios, 02/01/11

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Ga – forma oriental de falar "ego".

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