domingo, 13 de fevereiro de 2011

Menina luz



Eu nasci quando ninguém mais pensava em existir, quando o nascer não era bem um querer, mas uma fatalidade do destino. Sou filha da luz dos olhos de um desejo reprimido e do pranto de um medo incontrolado.
Dentro da barriga do desespero e do amor, onde eu crescia, aprendi a entender o mundo de uma forma um pouco vulnerável e, aos poucos vulnerável me tornei. Apreendi coisas que me puderam ser úteis mais tarde e pelas quais entendi que a vida valia a pena viver.
Ainda dentro de um casulo que me alimentava e me protegia até do vento, aprendi a dar os primeiros passos, fui aos poucos sendo até escondida do mundo, para que ele não pudesse me tocar nem me modificar, vivia em uma rotina sem fim, feita pelos medos que tinha e pela adesão de um medo induzido, a observação de meus passos era constante, tinha certeza que existia alguém sempre observando meus passos, sempre na espreita a fim de me pegar em meus menores deslizes.
As pessoas costumam ficar grande quando crescem, comigo o processo foi o oposto, cresci para ficar pequena, não no sentido de criança, mas em um sentido em que a pequenez demonstra a morte e a vida também.
Num processo quase que de autofagia, eu consumi tudo o que tinha ao meu redor e fui absorvendo-me após ter absorvido o máximo que pude do mundo, virei um potente veneno que habitava um frasco pequeno, crescido, mas minúsculo, garras imperceptíveis, porém mortais. Ao mesmo tempo em que minhas palavras aniquilavam elas tinham o poder de dar a vida, de fazer nascer a vida em forma de sorrisos nos lábios de quem eu realmente queria.
Erva venenosa eu sou, eu fui, eu estou. Eu ainda continuava dentro de um manto, julgava eu que estava protegida, deduzia que eu estava a salvo e merecia muito a minha liberdade. Pouco a pouco eu percebi que a minha liberdade na verdade era minha prisão, eu vivia encarcerada de tal forma que eu poderia fazer de tudo, mas o medo ainda existia e persistia colocando suas garras poderosas e letais sobre minhas vontades. Desespero e audácia.
Depois de conhecer o poder que eu detinha nas mãos, de saber que a idade me trazia sabedoria e meu crescimento interior implorava por mais espaço, mascarei-me de tal forma que poderia me ver em várias faces e me desconhecer em mim mesma, era uma flor tão meiga e pura diante dos olhos e dos sorrisos e uma verdadeira Mefistófeles diante das mãos e dos dedos, poderia passar horas e horas mostrando as garras, rindo com as mãos, contando mentiras e tentando fingir e até fugir de quem eu realmente era.
Será que ninguém nota que eu sou ainda apenas uma criança que precisa de amor e de atenção? O mundo parece que só enxerga minhas máscaras, mas preciso de alguém que possa me ver como realmente sou, como eu realmente estou, também sinto dores, tenho vontades, desejos e passo por decepções.
Há anjos que em forma de coração conseguem observar-me, eu enquanto olhos e, perceber em mim, enquanto pele, dor e necessidade de afeto. Às vezes tudo o que eu preciso é apenas de um abraço, de um afago, apenas carinho, olhar de proteção.
Aprendi a chorar em silêncio querendo liberdade, querendo estar perto de uma chama que me aquecesse e de um mundo, chamado de braços, que pudesse me segurar, erguer e mostrar que dali nada poderia me arrebatar.
Mundo cruel esse meu, nem eu entendo o porquê de tanto tudo e tão pouco do que eu realmente preciso. Do que eu preciso? Certamente de apenas uma coisa, compreensão, apenas isso e tudo o resto virá, pois sendo compreendida em todas as minhas partes, serei o todo que eu preciso ter.
Depois de atravessar um mar de desilusões, medo e angústias, como se eu não pudesse mais nada fazer, aos poucos fui colocando a cara no mundo, não foi fácil tentar mudar de uma hora para outra e muito menos querer viver em um mundo desconhecido. Da luz uma menina, em tamanho, nasceu com uma vontade exacerbada de crescer e um desejo incrédulo de querer viver novamente; passo a passo um mundo iluminado apresentava-se para mim, um mundo diferente, cheio de palavras doces e bonitas. Percebi com o tempo, que eu não conseguia enxergar sempre o brilho das estrelas e a beleza da lua por causa de uma dor líquida chamada de lágrimas, elas sempre visitavam meus olhos e impediam-me de olhar com clareza o mundo.
Como eu pude estar presa por tanto tempo? Eu sempre me sentia livre ao estar com alguém por perto, mas estar por perto de alguém nem sempre é proteger-se da forma que cura e que consola. Solidão, tristeza e pavor.
Nasci pela boca de um anjo, um desses gordinhos, fofos, com uma espada nos olhos e um escudo em forma de braços, toda vez que ouvia a música que saía da boca dele, eu deixava as lágrimas rolarem de meu coração que estava se recuperando de dores que o dilaceraram. Chorei muito, mas a água que saía de meus olhos fazia-me crescer por fora, o vazio deixado por dentro era apenas um grande alívio, era a certeza de que eu estava no caminho certo, sempre quando eu precisava, simplesmente consultava o meu oráculo e lá estava a voz daquele anjo, ele foi capaz de mudar não só meus olhos, mas meu corpo inteiro.
Na grande taba em que meus amigos sentavam para conversar sobre as nossas estrelas e sobre as nossas luas, lá dentro uma luz de desespero acendia e sem ao menos percebermos, a dor e o medo líquidos saíam por nossos olhos, certamente a cachoeira transbordara, mas ao mesmo tempo em que a luz do desespero acendia outra luz, chamada razão, ascendia em meu corpo e irradiava-se por todo o meu ser, de repente a cachoeira parava de transbordar e meus olhos se perdiam em um lugar onde só eu sabia onde era, onde minhas doces lembranças começavam a me fazer mais forte, mais feliz.
Hoje depois de ter nascido diversas vezes, cada vez cresço mais e envolvo-me de uma luz racional e de outra emocional, uma me faz renascer das cinzas e a outra ascender em um mundo em que muitas iguais a mim existem.
Não tenhas medo de crescer e sempre que precisar, procure um anjo que possa fazer de teus dias a luz da existência de teus atos.

Dedicado a Aritana.
Valteones Rios, 18/01/11.

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