Que felicidade meu amor, que dia maravilhoso, poderei te dar todo o amor do mundo quando saíres de dentro de meu ventre. Mal posso esperar para te ter em meus braços. Lembro-me de teu pai, com aqueles olhos famintos a me ver, com a felicidade no corpo em tocar o meu. Quanta alegria posso ter hoje em saber que tenho um pedaço dele dentro de mim.
Que ódio nutro, que tristeza, quanta tormenta, como eu queria poder matar essa vida que está sendo gerada em meu ventre, como eu queria nunca ter conhecido aquele traste, imprestável, aquele idiota que só me quis para saciar seus desejos sórdidos e carnais, ai como eu odeio...
É assim como eu passo a maior parte de meus dias, pensando como minha mão deve ter pensado quando eu ainda estava em seu ventre, fico horas e horas perdido entre minhas lágrimas e meu sofrimento.
Pensando como minha mãe deve ter pensado, percebeste leitor que erro eu acabara de cometer ao falar de meu passado? Sabes, é assim como eu penso, imagino que minha existência pode ter sido um erro, um grande erro, um descuido, um surto de desejo e loucura que fora justificado com mentiras, assim como minha existência parece ser, uma mentira que eu mesmo criei para fugir de algo que nem sei como existiu.
É tão triste parar para pensar como deverá ser o futuro de alguém que tem um passado incerto, será também um futuro incerto? Será um futuro tão doloroso como é meu presente? Como dói em pensar como será o amanhã, em pensar quem eu sou hoje. Por que essas lágrimas não param de cair de meu rosto nesse momento? Desculpa leitor, é que não consigo parar de me encher de perguntas, de tentar entender o que é que eu vim fazer aqui nesse mundo, quando paro para pensar e isso tem sido uma constante em minha vida, fico assim, chorando, pensando, chorando, desesperado em saber que tenho que tomar decisões, construir meu futuro e parar de pensar como é que eu sobreviverei em um lugar que nem eu sei onde é.
Depois que nasci, ou fui jogado do ventre de minha mãe, descobri um mundo em que eu queria estar porque parecia ser um lugar cheio de fantasias e aventuras, um lugar repleto de gente que gostaria de me ver e de me pegar no colo, engano meu. Engano, parece que essa palavra vai me perseguir por toda a minha vida.
Cresci igual a toda criança (até então eu como criança, achava tudo normal), brincava, sorria, chorava, saia, comia, dormia, tudo muito bem, mas parece que minha felicidade não deixava a minha mãe alegre, por trás de cada sorriso dado por ela, existia uma gota de ódio e um rufar de temor e tristeza, tentava em vão com meus olhos e meu sorriso trazer minha mãe para perto de meu mundo, um mundo encantado cheio de alegria e de amigos imaginários. Era um mundo em que ninguém poderia me fazer sofrer ou sofrer comigo ou por minha causa, mas toda tentativa era em vão, pois minha mãe sempre saia de perto de mim ou me dava um empurrão para que eu saísse de perto dela, como se eu fosse um pacote sem prestígio ou um alguém sem importância.
Passei uma boa parte de meu crescimento sendo um algo ofensivo, algo um pouco sem prestígio.
De repente, o mundo parece ter caído por sobre a cabeça de meus entes e uma fenda abriu-se por entre meus pés, a terra que era meu porto seguro, dividiu-se em duas, de um lado, meu mundo antigo e do outro, um mundo novo em que eu deveria me acostumar a viver. Mas como eu viveria em um lugar em que eu não conhecia, nem sabia como me comportar? Cadê minha mãe eu gritava, cadê meu pai, eu bramia, cadê minha vida eu sussurrava, em vão, sem forças, em vão, com tristeza, em vão.
Fui dado como um pacote, um presente sem prestígio, mas com finalidade, era a liberdade de alguém que estava tão perto de mim e que viveria para sempre dentro de minhas lembranças. Fui jogado em outro mundo como um pacote que não mais serve, um objeto carne, uma vida que trazia lembranças.
Naquela nova terra, não sabia como me comportar, não sabia como viver, pois a luz que vinha de uma tocha que iluminava minha vida apagara-se, ficou longe dos meus olhos e não mais eu pude enxergar. Recebi muito carinho naquela nova morada, em uma terra distante, com costumes e línguas diferentes, eu entendia tudo, mas a língua era diferente, mais calma, tranquila, afável, das bocas saíam palavras doces, às vezes ásperas, mas não tão aterrorizadoras como em meu antigo lar.
Cresci agora de uma maneira que não havia crescido antes, fui aos poucos entendendo minha posição, minha situação e meus deveres apareceram a cada novo passo dado. Sou uma figura que é atormentada sempre por um terremoto, por uma chuva ácida de palavras em um dia de sol de primavera.
Aprendi a estudar, a conhecer, a ter medo, a parar de ser criança, a ser adulta, menina que se tornava mulher sem querer ser, uma fruta forçada a amadurecer fora do tempo e fora do chão que a poderia trazer alimentos e segurança.
Meu passado e meu presente eram um só, não conseguia sair de um para viver o outro, nem vivia sem lembra-lo. Lágrimas, como antes e agora, caem sem parar, por tristeza, por medo, por falta de coragem, por tudo e por nada, não sei por que existo, nem como consegui até agora existir. Paro e penso e percebo que, se estou até agora aqui, é por que há algo que eu deva fazer no futuro.
Essa palavrinha vem me amedrontando há tempos quando eu percebi o que é que vem depois do presente, não sei se estou pronto, se estou com forças suficientes para dar um passo tão longo, levantar dessa cama que já se tornou meu esconderijo, minha própria vida, meu refúgio.
Um dia, igual a todos os outros, em meus sonhos aparece uma criatura que não sei dizer o que realmente é, só sei que me faz feliz, torna-me seguro, leve e capaz de respirar sem ser impedido pelas lágrimas, é alguém que quero chamar de luz, pois é essa luz que me faz ter forças para acordar todos os dias. Mas..., mas..., tudo isso é sonho ou é minha realidade? Não sei mais, não consigo dividir um mundo do outro.
Em meu novo mundo, aprendi a ver o passado como algo que nos ajuda a compreender o futuro, como algo que nos torna capaz de criar as possibilidades que serão nosso presente. A cada novo dia e a cada nova aprendizagem, torno-me cada vez maior em meu presente e com menos medo de meu futuro.
Pessoas importantes em minha vida passaram para me ajudar a entender o mundo e a compreender minha existência, aos poucos, fui sem perceber, tornando-me uma dessas pessoas, um ser capaz de entender a dor dos outros e de ouvi-las. Até o menor sussurro e até a menor gota que era solta, eu conseguia discernir e entender sem nenhum medo de errar, pois esse presente, já foi meu passado.
Quem passa diante da morte, não me refiro aqui à morte corporal, mas uma morte que estamos suscetíveis todos os dias a termos, o esquecimento, uma dor que somos obrigados a conviver a todo instante, um algo que nos faz pensar o que seremos no futuro e a deixar de existir no presente, para voltarmos instantaneamente ao passado em pensamentos dolorosos e destrutivos.
Estou uma pessoa hoje que nunca imaginei ser, sei que é passageiro, pois dentro de mim sou outro alguém medroso e sem coragem de enfrentar o mundo, um alguém que mentiu para si próprio a vida inteira, um ser que só sabe ser presente e passado.
Desculpe-me leitor se te enchi de pensamentos tão tristes como os meus, mas já parou para pensar que você já foi adotado várias vezes em mundos diferentes? Dá-se conta de que ao entrar na escola pela primeira vez, foi adotado por uma família nova e estranha, ao ir ao hospital, dentista, casa de uma vizinha, em outra cidade, ao sair da escola primária, ao entrar na adolescência, na faze adulta, fora adotado? Diversas vezes temos que sair de nossa casa, de nosso mundo para pisar em um mundo estranho, cada vez que fazemos isso, tornamo-nos mais fortes, mais convictos do que queremos e menos convictos de nosso futuro, somos criaturas presente-passado, somos formados pelo antes e o agora, não somos seres do amanhã, somos seres capazes de construir o amanhã, mas só com pedaços do ontem e do hoje.
Somos o que queremos ser, seres formados por fragmentos chamados “momentos” e de uma luz chamada “sonhos”.
Valteones Rios, dedicado a Ellen.
Várzea da Roça/BA, 17/10/10.
Muito obrigado Valteones pela dedicatória,saibas que suas palavras mim ajudaram muitoo..
ResponderExcluirSucesso !!
Por nada, fico feliz em saber que elas tenham encontrado um alvo certeiro e você e te tenham levado a um porto seguro.
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